
SER MULHER E GOSTAR DE FUTEBOL É COMO VIVER NO BANCO DE RESERVAS
Entre copas, campeonatos e torneios, as mulheres esperam. Este projeto pretende abrir espaço para que o público conheça a história de quem corre por fora para conquistar o seu lugar. Meninas, mulheres, torcedoras, atletas, árbitras, jornalistas, médicas, fotógrafas, treinadoras e outras muitas ocupações que, diariamente, mesmo no escuro da invisibilidade do preconceito, ocupam o banco de reservas na luta pela titularidade.
Era fim do século XIX quando Charles Miller desembarcou no Brasil para apresentar o futebol como um esporte ao país. Ao longo da história pouca coisa mudou e ainda hoje, mais de um século depois, no campo, nas arquibancadas ou nos bastidores, as mulheres esperam a sua vez.
Enquanto o futebol evoluía, as várzeas ganhavam traves, as arquibancadas abrigavam homens apaixonados por seus clubes, o Brasil ganhava Copas do Mundo e fincava suas cores na história do esporte, um outro cenário se desenhava ao fundo: o de resistência daquelas que não deram a sorte de nascer com o privilégio de ser homem.
Como em muitos outros setores da sociedade, a mulher encontrou a barreira do gênero nos portões de entrada para o mundo do futebol. Os homens dominaram o esporte, criaram hegemonia não só dentro de campo, mas conseguiram, por meio do senso comum social, garantir espaço majoritário, inclusive nas arquibancadas, e jogaram as meninas para escanteio.
Enquanto os preconceitos ainda estavam velados e as barreiras eram mais sutis, as mulheres ainda conseguiam garantir seu espaço. O problema começou mesmo quando o que era só um pensamento ganhou força de lei, em abril de 1941.
O então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, baixou um decreto-lei que proibia as mulheres de praticarem futebol. A justificativa? A natureza viril do futebol era incompatível com a da mulher, que deveria ser um exemplo de "feminice".
Esse decreto só viria a ser revogado em 1979, quando a ditadura militar começava a perder força. Durante 38 anos no Brasil as mulheres foram oficialmente proibidas de jogar futebol e, apesar disso não tê-las impedido de resistir enquanto jogavam escondidas, o ato arbitrário afastou a figura da mulher do esporte.

MANCHETE DE JORNAL BRASILEIRO EM 1941 (FOTO: ARQUIVO DO MUSEU NACIONAL DO FUTEBOL)
Para a doutora e especialista em gênero, esporte e futebol feminino, Silvana Goellner, a luta das mulheres, àquela época, foi fundamental para os avanços de hoje. "Vale enfatizar a resistência das mulheres. Se ainda hoje elas estão no futebol, é porque desde sempre resistiram e, apesar das dificuldades, elas permaneceram", destaca.
A especialista aponta que a exclusão da mulher no futebol é um reflexo do que já acontece na sociedade em geral. As pessoas devem pensar o futebol não só no contexto esportivo, mas da nossa sociedade. "As mulheres enfrentam várias barreiras, em todos os setores, em especial nos contextos hegemonicamente praticados, assistidos e associados aos homens", afirma.
Há uma desconfiança de que as mulheres não são qualificadas para entender, jogar, praticar ou atuar no futebol. É uma barreira que se construiu culturalmente de que o futebol não é delas.
"
Silvana Vilodri Goellner, doutora especialista em gênero e futebol feminino, sobre os impedimentos para a mulher no futebol.

O fato é que, apesar do passar dos anos, revogação do decreto, inserção das mulheres nos campos, nas arquibancadas, no jornalismo esportivo ou nos quadros de arbitragem, o futebol ainda é representado como uma prática dos homens e para os homens em todas as suas instâncias. Para que as mulheres ascendam a esse espaço é preciso quebrar barreiras culturais impostas há muito tempo.
Segundo a especialista, o primeiro passo para quebrar essas barreiras é entender que esse não é um esporte só de homens no nosso país; que envolve mulheres em diferentes ocupações, nos diferentes modos de estar no futebol. É dar a chance para que elas ocupem esses espaços, afinal, "como a gente vai reconhecer a importância das mulheres no futebol se a gente não as conhece?", questiona.
Historicamente a mulher não é ensinada a gostar de esportes em geral, em especial os que estão intimamente atrelados à natureza masculina, como lutas, automobilismo e o próprio futebol. Mais de 60% das mulheres brasileiras costumam abandonar a prática esportiva até os 24 anos, de acordo com dados do Diagnóstico Nacional do Esporte, do Ministério do Esporte, elaborado em 2013.
O esporte mais praticado entre as mulheres é o vôlei; de acordo com a pesquisa, esse era o esporte praticado por 38% das meninas que abandonaram a atividade. Em segundo lugar aparece o futebol, com índice de 21,8% de abandono. No caso dos homens, esse número é bem maior: 70% deles praticavam o futebol quando decidiram parar.
MOTIVOS PELOS QUAIS AS MULHERES ABANDONAM A PRÁTICA DE ESPORTES
58,5%
FALTA DE TEMPO / OUTRAS PRIORIDADES
7,6%
FALTA DE ACESSO
DINHEIRO
SAUDE
IDADE
7,7%
3,8%

3,1%
13,2%
DESINTERESSE
DESGOSTA
7,6%
3,1%
7,7%
3,8%
13,2%
6,1%
58,5%
6,1%
IDADE DO ABANDONO
0,6%
2,4%
4,1%

39%
0,1%
1,3%
52,4%
ATE OS 15 ANOS
39%
DOS 16 AOS 24 ANOS
52,4%
DOS 25 AOS 34 ANOS
1,3%
DOS 35 AOS 44 ANOS
4,1%
DOS 45 AOS 54 ANOS
2,4%
DOS 55 AOS 64 ANOS
DOS 65 AOS 74 ANOS
0,6%
0,1%
Fonte: Diagnóstico Nacional do Futebol; 2013, Ministério do Esporte.